Um dia levantei da cadeira do escritório para conversar com um colega. Estava preocupada, com vários projetos acumulados, fui ao encontro dele para buscar a resposta sobre um trabalho em atraso. Lembro de visualizá-lo sentado, mas quando me aproximei dele, esmaeci. Perdi a força nas pernas. Saí carregada, com o corpo todo tremendo rumo ao pronto-atendimento. Meus sinais vitais estavam normais, então, me liberaram. Voltei pra casa e “vida que segue”.

Um segundo momento marcante foi logo que tive minha segunda filha. As responsabilidades no trabalho somadas a cuidar de duas crianças pequenas, dar conta da amamentação e receber a notícia de que minha principal colega de trabalho não estaria mais na empresa logo que eu retornasse da licença maternidade, me tiraram o chão. Lembro que na época recorri a tudo que me indicaram, até cinza de ritual xamânico dissolvida em água tomei. Sempre fui muito resistente às medicações e não sei o quanto isso fez realmente bem pra mim. Minto: fiz uma tentativa e me senti péssima, não aguentei esperar pelo período de adaptação.

Será que tive burnout? Procurei por médicos na época, mas ainda não se falava no assunto. Claro que um diagnóstico médico é imprescindível, mas lendo sobre os sintomas que descrevem esse mal dos dias atuais, vejo que apresentei muitos deles.

Quando vi esse movimento todo, a OMS classificando burnout como uma síndrome relacionada ao trabalho — e o assunto pipocando nas conversas com clientes, blogs, podcasts — entrei em questionamento com a minha resistência a esse alvoroço todo. Afinal trabalhar dá trabalho, não? E pra quem foi criada com o lema “Deus ajuda quem cedo madruga” sempre pareceu bem aceitável que este esforço seja necessário.

Fazendo uma higiene nos meus julgamentos, parei pra pensar na minha experiência. Me dei conta de episódios que tive e que poderiam ser relacionados ao burnout. Um bom início de conversa é entender melhor o conceito:

“Burnout é uma síndrome relacionada ao excesso e frequência de estresse no trabalho.”

Mas o que será que está nos causando este mal tão contemporâneo?

Vale lembrar que estresse, na medida certa, sempre foi importante para a espécie humana. É ele que nos faz levantar diariamente da nossa cama, nos traz disposição para sair da letargia, fazer algo, agir. Mas vivemos constantemente em situações estressantes. Não darmos o tempo para que nosso corpo experiencie uma sensação de paz e tranquilidade — a chamada “homeostase”, que é o momento em que nosso sistema nervoso parassimpático desacelera o organismo, diminuindo todos os estímulos desencadeados pelo sistema nervoso simpático — é o que nos sobrecarrega.

Já deixo aqui um episódio do podcast “O Assunto” que trata do tema: Burnout — O Esgotamento do Trabalho. Nele a psicanalista Vera Jaconelli traz uma análise muito lúcida: “trabalhar cansa, mas não adoece”.

Então, tá tudo bem trabalhar muito?

O limite entre ser uma workaholic ou worklover pra mim é muito tênue. Eu gosto de trabalhar, me sinto viva, útil, ativa. Gosto de ver coisas sendo realizadas. Mas também tenho consciência de que o ambiente de trabalho, as organizações, são nosso maior espaço de exercício de atuação na sociedade. E vivemos a era do exagero, da expectativa constante da performance. Ou, como a Vera fala no podcast “com má qualidade nas relações, falta de apoio, falta de segurança”. E essa falta de segurança está no micro e no macro: se eu ou alguém da minha família perder o emprego, como ficaremos? Não há como contar com apoio do Estado, das instituições. Lembro que, há alguns bons anos, uma amiga cientista social, já falava “vivemos uma crise nas instituições”.

Então, o quanto esse “trabalhar bastante” está relacionado ao prazer, a satisfação ou aos nossos medos? Medo de não ter o suficiente, medo de não ser amado, medo de não ser reconhecido e bem-sucedido?

Dentro das nossas fontes de conhecimento na Laborama, está a metodologia da Barrett Value Center. Nela existe uma análise sobre nossos níveis de consciência relacionados aos nossos valores. E esses níveis são inspirados na famosa pirâmide de Maslow. Precisamos ter nossos padrões básicos de satisfação de necessidades:

  • fisiológicas (respiração, água, comida, abrigo, sono, reprodução);
  • segurança (corpo, mente, emprego, recursos, saúde, propriedade);
  • amor e relacionamento (família, amizade intimidade, sentir pertencente).

Só quando temos esses níveis atendidos conseguimos trabalhar nossa autoestima e termos desejos mais abrangentes. 

Essas questões são básicas, são nosso fundamento. Sem elas não conseguimos ter segurança física e emocional para evoluirmos. E, claro, o trabalho é nossa grande fonte de recursos e possibilidades para atendermos essas necessidades.

Se é uma síndrome relacionada ao trabalho, então é tudo culpa da empresa?

Mais uma vez me coloco aqui na posição de empresária, ser humano, trabalhadora e mãe. Não tem como colocarmos nossos diferentes papéis em caixinhas separadas. Somos o reflexo da nossa criação, de toda a sociedade que nos antecede, do meio atual em que vivemos. E, de fato, acho injusto que as empresas tenham que arcar com todas as responsabilidades dos males que assolam a humanidade. Nesse mesmo podcast que recomendei, a publicitária Carol Milters relata a recorrência dos sintomas mesmo quando ela troca de emprego. Sim, existe um padrão de comportamento organizacional que já é endêmico. Como, por exemplo, normalizar a doença. Antes da pandemia de COVID, quantos de nós fomos trabalhar com gripe forte, dores no corpo e até estado febril, porque uma “gripezinha” não deveria ser motivo para nos deixar em casa de repouso?

Mas, também acredito que um CNPJ é um conjunto de CPFs. Então, tanto para o bem quanto para o mal, nós somos reflexo e agentes do que vivemos. Por isso talvez seja importante refletir.

  • Quantas vezes deixei claro quais são meus limites dentro do espaço de trabalho?
  • Quantas vezes acionei pessoas pelo WhatsApp fora do horário comercial e esperei uma resposta imediata?
  • Estou atento ao meu corpo? Consigo identificar os sinais mais sutis antes que eles fiquem graves?
  • Estou cuidando da minha saúde física, mental e espiritual?
  • Como reajo aos estímulos de competição e performance? Como falo sobre isso no meu ambiente de trabalho?


Aprendendo a descansar

“As pessoas não sabem mais o que é relaxar, sair de férias, tirar um dia de folga. Ficam totalmente perdidas”

Citação do psicólogo Larry Ronen no livro “Stress a seu Favor”, Dra. Susan Andrews

Antes mesmo de começar a ser impactada por todos esses conteúdos que falam de burnout, me dei conta, ao sair de férias, do quanto não tenho prática nessa ação. Tenho dificuldades em descansar. Se estou lendo um livro, geralmente é sobre algum tema técnico ou profissional. Gosto mais de documentários do que de filmes. Se estou de férias, preciso manter a casa organizada, a roupa lavada, dobrada e guardada.

Tenho uma autoexigência elevada. Se medito, fico de cara se deixei passar um dia porque acordei tarde e isso impactou no meu tempo de treinar a mente para desapegar dos pensamentos.

Foi aí que comecei a pensar nas minhas crenças. De novo vem a referência da infância, de uma família de colonos italianos que sempre honrou o trabalho. Mas busquei na memória e lembrei de pontos importantes.

  • Sim, meu pai acordava MUITO cedo, mas sesteava diariamente depois do almoço.
  • Também dormiam cedo. Geralmente iam para a cama antes das 22h.
  • Minha mãe frequentemente saia no meio da tarde para ir na casa de uma vizinha, tomar um mate, falar sobre as rotinas da casa, da família.
  • Tinham uma vida em comunidade ativa, pessoas que se ajudavam e se apoiavam.
  • A espiritualidade sempre foi um valor muito presente na nossa vida.
  • O contato com a natureza era diário. Vivíamos em um sítio e a relação com o verde e os animais era constante. 

São pausas e comportamentos importantes e que, hoje, talvez esteja deixando apenas para o horário pós-expediente ou em alguns dias da semana. 

Ou ainda pior: endereçando para os esperados dias de férias a resolução da estafa dos demais 350 dias do ano. 

Então, sim, não tem almoço grátis! A gente precisa de empenho, dedicação, disciplina, mas talvez algumas pessoas como eu precisem “treinar” descansar. Fazer escolhas, combinados, conversas diárias que tragam a reflexão e uma escolha por não agir. Deitar, descansar, ler um romance açucarado. Deixar a casa de pernas pro ar. Não responder aquela mensagem de WhatsApp. Não postar tudo o que está fazendo nas redes sociais. Se exigir um pouco menos e, principalmente, ajudar e apoiar outras pessoas quando perceber que elas estão no mesmo barco.

Faço e recomendo

Para além das questões que sei que tenho que melhorar e já citei acima, posso indicar algumas experiências que, aos 47 anos de idade, 27 de trabalho, 17 anos como mãe, sinto e comprovo os efeitos que me ajudam a estabelecer um certo equilíbrio.

Meditação: tirando os momentos em que me culpo por não conseguir manter a disciplina diária, a meditação foi um divisor de águas na minha vida. Pratico há mais de 20 anos e tenho absoluta certeza do impacto positivo que trouxe para minha existência. Recomendo um app superbacana com práticas guiadas. Uso tanto para minhas meditações espirituais quanto para relaxamentos antes de dormir. É o insight timer.

Relacionamentos que apoiam a vida da gente tem ciclos e, às vezes, algumas pessoas deixam de fazer parte de um novo ciclo, novas pessoas entram… Conversar com alguém que esteja vivendo a mesma onda que você e compartilha dos mesmos valores do momento, traz uma sensação de pertencimento muito importante. É uma ajuda para a autoaceitação. Avalie as conversas que você vem tendo e os interlocutores. Como você se sente depois de falar com aquela pessoa? Quais pensamentos e sentimentos te invadem?

Atenção ao corpo: tenho sofrido de insônias no último ano. Olhar para esse sintoma tem me feito mergulhar em muitas questões. Por que isso está acontecendo? É físico, emocional? Ainda não tenho respostas, mas estou nessa jornada que já me trouxe muitos presentes. Um deles é o de olhar para minha história como mulher e de todas as demais mulheres que fazem parte da minha história de antepassados.

Espiritualidade: quando tudo o que podemos ver, sentir, pegar parece se dissolver é bem importante termos algo que nos mantenha firmes. Pode ser ou não uma religião, mas a certeza de que existe algo maior, para além do que conseguimos tangibilizar traz esperança, uma sensação de paz interior e força. Acredite. <3

Movimente-se: seja yoga, musculação, corrida. Mas não com o único objetivo de performar. Faça com liberdade, com prazer, com a intenção de estar te dando um presente.

Dê espaço para a arte: aprecie mas também se permita fazer. Escrever, desenhar, cantar no banheiro. A humanidade sempre recorreu à arte nos seus momentos mais difíceis. Ela nos leva a outros estágios de consciência.

Esteja próximo da natureza: somos um conjunto do reino mineral, vegetal e animal. Estar ao ar livre, próximo a natureza, deveria ser algo corriqueiro. Vivemos milhares de anos como homens e mulheres que passavam por situações de estresse mas estavam em meio a natureza. Precisamos de mais vitamina V, com o “V” de “verde”. 

— E por último, um livro simples e de leitura gostosa que pode trazer muitos outros insights sobre o estresse: “Stress a seu favor” .

Ainda que a intenção com este relato seja fortemente de poder trazer alguma luz e uma vivência pessoal sobre o tema, um assunto complexo não tem uma solução simples.

O debate é importante e precisamos juntos buscar novos formatos ou apenas resgatar o que nos afastou da simplicidade da vida.

Stela Nesello – Sócia e Facilitadora da Laborama

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